Em meio às tratativas para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo de Minas tinha dinheiro suficiente para quitar cerca de seis folhas de pagamento dos servidores de maneira imediata, sem considerar receitas e despesas futuras, no mês de agosto. Em média, a gestão estadual gastou R$ 3,7 bilhões por mês com o funcionalismo desde setembro de 2022, conforme um Relatório de Gestão Fiscal obtido pela reportagem. Portanto, os R$ 23,7 bilhões que estavam em caixa em agosto, conforme antecipado por O TEMPO, pagavam, sem contar o fluxo de caixa futuro, um semestre desse custo com os servidores, historicamente um dos principais de todo Poder Executivo. Os dados fazem parte de documentos obtidos por deputados estaduais junto ao Tribunal de Contas, que foram divulgados pela Frente em Defesa do Serviço Público.
O recurso, na visão da Frente em Defesa do Serviço Público, não invalida a discussão sobre a necessidade de pagamento da dívida de R$ 160 bilhões que Minas tem com a União. Mas, enfraquece o argumento usado pela gestão de Romeu Zema (Novo), que vincula a não adesão ao RRF a um possível colapso das contas públicas, forçando o retorno do parcelamento dos salários do funcionalismo.
No mês passado, o próprio vice-governador de Minas Gerais, Mateus Simões (Novo), afirmou a O TEMPO que, sem a adesão ao RRF, as consequências para o servidor público seriam “automáticas”. Segundo ele, findo o prazo de 20 de dezembro para ingresso no regime, há previsão de colapso, uma vez que o governo federal passaria a reter repasses para abater valores da dívida com a União. “E aí eu vou começar a atrasar o salário a partir de fevereiro”, disse.
Para o presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais (Sinfazfisco-MG), Hugo René de Souza, o valor de R$ 23,7 bilhões no caixa mineiro, conforme documentos do TCE, invalidam completamente o cálculo feito pelo vice-governador. “A série histórica que tivemos acesso tem início em dezembro de 2021 com R$ 16 bilhões. Se você olhar o mês seguinte, já começa a subir novamente (R$ 20,1 bilhões). Se você olhar, o caixa cresce mês a mês. Isso invalida a chantagem de que vai haver parcelamento de salário. Não é um fato concreto”, diz.
Integrante da Frente em Defesa do Serviço Público, a presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Denise Romano, concorda com Hugo. “O argumento, a chantagem, que o governo tem feito não corresponde à realidade dos fatos. O Estado tem recursos de sobra no seu caixa,mas vem argumentando a necessidade de uma aprovação do RRF, chantageando a população, os servidores públicos e os deputados da Assembleia”, afirma.
Para o pagamento da dívida de R$ 160 bilhões, a administração de Romeu Zema (Novo) defende a privatização de empresas públicas, como a Codemig, a Copasa e a Cemig, e a suspensão por nove anos de novos concursos públicos, propostas amplamente criticadas pelo funcionalismo. Há também o temor de congelamento dos salários no período.
O Estado tem até 20 de dezembro, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), para aderir ao RRF antes de começar a pagar a dívida bilionária. Publicamente, deputados da situação e da oposição, o governador Zema e parlamentares da bancada mineira em Brasília defendem o adiamento dessa data para obter uma melhor negociação com o governo federal.
Balança positiva
Os documentos obtidos pelos deputados junto ao Tribunal de Contas trazem o balanço das contas do governo de Minas desde dezembro de 2021 até agosto deste ano. Entre o primeiro mês levantado e julho de 2022, o Executivo operou drasticamente no vermelho, justamente pela necessidade de pagamento da dívida com a União. Em cada um dos meses em questão, o déficit foi de aproximadamente R$ 75 bilhões, subtraindo o saldo em caixa e as obrigações de curto prazo.
A partir de agosto de 2022, o cenário se inverte, por meio da sanção da Lei 24.185, que autorizou o Poder Executivo a celebrar o contrato de confissão e refinanciamento de dívidas, com aval do Supremo Tribunal de Federal (STF).
Nos 13 meses subsequentes, entre agosto de 2022 e agosto deste ano, a relação entre o saldo em caixa e as despesas de curto prazo operaram no azul em nove balanços. Somente entre dezembro de 2022 e março deste ano houve déficit, justamente logo após o Estado pagar R$ 5 bilhões à União para assinatura do contrato de adesão ao RRF, conforme decisão monocrática proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Kassio Nunes Marques.
Neste período de 13 meses, a relação entre o saldo em caixa e as despesas de curto prazo chegou a ser positivo em R$ 4,8 bilhões, justamente em agosto deste ano, último mês apurado pelo TCE. Desde então, a conta é positiva em R$ 12,3 bilhões, o que resulta, em média, em um acréscimo de quase R$ 1 bilhão por mês no caixa.
Governo se posiciona
Por meio de nota, o governo de Minas explicou que o saldo contábil das contas e aplicações financeiras devem ser avaliados levando-se em consideração os saldos das obrigações a pagar em curto prazo, ou seja, das despesas previstas para os próximos meses.
“Apesar de no último mês de agosto o caixa do Estado contar com R$ 23,7 bilhões, esses recursos não eram de livre utilização do Tesouro ou já estavam comprometidos com despesas a serem realizadas. Desta forma, apenas R$ 9,9 bilhões desse valor pode ser considerado de livre utilização do Tesouro e, mesmo neste caso, todo o valor já estava comprometido com o pagamento do 13º salário dos servidores públicos estaduais (a ser depositado no próximo dia 18); com o pagamento dos salários da folha de agosto (feito em 8 de setembro); com o cumprimento dos índices constitucionais das áreas da Saúde e da Educação; e com custeios da máquina pública, incluindo o pagamento de emendas parlamentares”, diz trecho da nota.
Já em relação às aplicações financeiras realizadas pelo Estado, que em agosto deste ano somavam R$ 1,391 bilhão, segundo o próprio governo, “vale destacar que o procedimento é adotado por toda administração pública comprometida com o bem-estar da população, uma vez que os rendimentos das referidas aplicações são destinados ao caixa único do Estado, ampliando os recursos disponíveis para o aprimoramento constante da máquina pública”, informa outro trecho do comunicado.
Passos de tartaruga
Para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal, Minas também precisa da aprovação do Projeto de Lei 1.202/2019, que trata do RRF, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O texto de autoria do governador Romeu Zema recebeu nesta terça-feira (5/12) parecer favorável da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (CFFO). Com isso, o projeto pode ser levado a plenário no primeiro turno.
Para ser votado, o texto precisa ser colocado na pauta pelo presidente do Legislativo, deputado estadual Tadeu Martins Leite (MDB). No entanto, Tadeuzinho, como é conhecido, é um dos protagonistas da proposta alternativa ao RRF, capitaneada por Rodrigo Pacheco (PSD). Martins Leite, inclusive, se reuniu recentemente com o presidente do Congresso Nacional, ministros do governo federal e com o próprio presidente Lula (PT) para discutir a questão.
Após a aprovação em primeiro turno, o PL ainda precisa tramitar por todas as comissões relacionadas à matéria em segundo turno. Depois, ainda será votado em segundo turno. Para ser aprovado, são necessários 39 votos, portanto a maioria absoluta da Casa.
*Por O Tempo