Terça-feira, Maio 13, 2025
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Policial é perseguida por colegas após denunciar importunação sexual em MG

Considerada uma “segunda” violência cometida pelos órgãos de segurança pública e de Justiça contra as vítimas de violência sexual ou de gênero que procuram ajuda, a chamada “revitimização” parece atingir até mesmo as mulheres que atuam dentro da Polícia Civil de Minas Gerais. Menos de seis meses após a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) denunciar a “perseguição organizacional” contra uma investigadora vítima de importunação sexual, uma outra policial civil do interior do Estado denuncia estar sendo alvo de críticas e perseguição dentro da instituição policial após a demissão do suspeito, condenado por crimes sexuais cometidos contra pelo menos duas policiais.

O TEMPO conversou nesta segunda-feira (12 de maio) com o advogado Márcio dos Santos, que representa uma das policiais civis que foram vítimas de um investigador lotado em uma cidade da região do Rio Doce. Procurada pela reportagem, a vítima – que não será identificada – disse que preferia não dar entrevista para não “reviver” tudo que vem sofrendo, já que a situação tem afetado drasticamente sua saúde mental.

“O crime contra minha cliente aconteceu em dezembro de 2023 e, após esse suspeito ser condenado a sete anos de reclusão, ela demonstrou uma sensação de Justiça. Porém, quando alguns policiais ficaram sabendo que o juiz determinou a demissão imediata, antes mesmo do trânsito em julgado, alguns colegas dela começaram a persegui-la, de forma velada”, explica o defensor.

A partir da demissão do investigador, ainda conforme Santos, a policial passou a sofrer com o medo de retaliação, além de ter recebido ameaças veladas de transferência de cidade. “Passaram a criticá-la, falando que o suspeito tinha família e duas crianças pequenas, e que seria culpa dela o fato de ele ter perdido o cargo. Você imagina, após ser vítima de uma violência, ter que ouvir este tipo de boato?”, pondera o advogado.

Servidora com mais de uma década de Polícia Civil, sempre muito bem avaliada, após conseguir criar forças para denunciar o crime sofrido, a mulher reclamou não ter recebido nenhum acompanhamento psicológico ou suporte da instituição. Pelo contrário, ela foi mantida por um tempo trabalhando sob a mesma chefia e no mesmo local onde foi importunada.

A situação fez com que ela desenvolvesse uma série de problemas psiquiátricos, como transtorno de ansiedade generalizada, depressão, crises de pânico e fobia social. “Os relatos das vítimas e testemunhas revelam uma cultura institucional que dificulta a denúncia, seja por medo de retaliação ou pela percepção de que mesmo superiores hierárquicos são impotentes diante do agressor”, completa Santos.

Procurada por O TEMPO, a Polícia Civil informou, por nota, que o servidor foi investigado, indiciado e condenado à perda da função pública. “Em cumprimento a ordem judicial, o servidor foi demitido e não integra mais os quadros da instituição”, escreveu a instituição.

Sobre a perseguição dos colegas, a Polícia Civil disse reiterar seu compromisso “com o respeito e a valorização dos seus servidores, zelando por um ambiente de trabalho saudável e livre de todas as formas de assédio”. “No âmbito correcional, o agente público teve processo disciplinar instaurado para apuração de prática de infração disciplinar. Ressalta-se que, conforme estabelece o artigo 234-B do Código Penal, os casos dessa natureza correm em sigilo”, completou.

O crime

A policial civil, que foi a primeira a denunciá-lo, conta que no dia 11 de dezembro de 2023 estava dentro de um cômodo, onde não existia câmera de segurança, quando o suspeito chegou. Após fechar a porta, ele teria passado a falar coisas de conteúdo sexual repentinamente.

“Começou a dizer que eu tinha uma boca muito gostosa e me perguntou se eu não podia chupar ele até o final do plantão. Ele foi se aproximando da mesa onde eu estava e começou a abrir a calça. Eu levantei correndo da cadeira em que eu estava e saí”, contou a vítima em seu depoimento.

Durante sua fala, a vítima também explicou o porquê de ter demorado alguns dias para denunciar formalmente o crime, o que acontece em diversos casos de crimes sexuais, quando a vítima, inicialmente, fica atordoada ou em choque. “Infelizmente, dentro da Polícia Civil a gente possui uma chefia um tanto machista e, não raras vezes, a gente vê outros colegas em situações delicadas, pedindo apoio e é recusado”, disse. O trecho foi usado pela defesa para ilustrar a “cultura de impunidade” dentro da instituição.

A policial civil também cita que, após ter feito a denúncia e seguir trabalhando com o seu assediador, passou a sofrer com crises de pânico e temer por sua segurança. “Eu fiz a denúncia e o cara ainda fica zanzando na delegacia e em todos os outros lugares que eu vou. Onde que isso vai chegar? Foi o momento que eu comecei a ficar temerosa, inclusive pela minha segurança”, detalha a vítima.

O processo também contou com a denúncia de outra policial, que teria sido vítima do investigador ainda em 2019. Em seu relato, a outra vítima, que tinha quase dez anos de instituição, contou que, ao se aproximar do suspeito, ele teria mostrado uma foto do pênis. “Eu o adverti, né? Falei com ele que aquilo não era uma atitude de homem. Eu fiquei muito constrangida”, lembrou a mulher.

Nem delegadas escaparam do suspeito

No processo judicial que culminou na condenação do investigador, além das duas policiais civis que o denunciaram, também foram ouvidas testemunhas no caso, entre elas servidoras civis da delegacia e, até mesmo, duas delegadas de polícia, que exerciam cargo superior hierárquicamente ao suspeito.

Uma das servidoras civis cedidas à unidade policial, chegou a ser tocada nas nádegas pelo policial, que se aproveitava sempre que ela estava sozinha para abordá-la e falar assuntos de cunho sexual.

“Então ele sempre me abordava no momento que ele via que não tinha ninguém na recepção, que eu estava ali sozinha. […] ele sempre chegava escorava no balcão. Ele falava das partes do meu corpo, falava assim que me imaginava, chupando a parte genital dele. Que me imaginava de quatro e, era sempre assim, sempre me abordava no momento que não tinha ninguém na recepção”, pontuou.

Já no relato de uma delegada da unidade, o suspeito teria entrado na sala e passado a falar sobre as relações sexuais dele com a esposa, perguntando sobre as intimidades da superior em seguida. “Só naquele momento ali que eu achei um pouquinho constrangedor e tudo. Mas, como ele não dirigia a mim, ele falava mais da esposa, eu realmente senti pena dela”, disse a policial em depoimento.

Como denunciar assédios dentro da Polícia Civil?

Por nota, a Polícia Civil disse realizar campanhas permanentes de conscientização, divulgando canais oficiais de denúncia e apurando “com rigor” todas as ocorrências recebidas.

A instituição ainda forneceu os canais que são disponibilizados aos seus servidores: Disque Ouvidoria (162); Disque Denúncia Unificado (181); e o Setor de Atendimento às Partes (SAP) da Corregedoria-Geral da PCMG, localizado na avenida João Pinheiro, 417, Boa Viagem, em Belo Horizonte.

*Por O Tempo

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