Era para ser apenas mais uma manhã para a empregada doméstica Ana* (nome fictício), de 35 anos, levar o pão de cada dia para a filha de dez anos de idade, mas tudo terminou com uma sessão de tortura. Às 8h12 da manhã da última terça-feira (16), a mulher chegava ao trabalho na rua Aristóteles Caldeira, bairro Barroca, região Oeste de Belo Horizonte, quando foi abordada pelo ex-companheiro, de 30 anos. Uma discussão que começou na esquina da rua – conforme moradores do local – se transformou em uma sessão de espancamento em plena luz do dia, com testemunhas.
A mulher viveu aqueles que, talvez, sejam os 41 segundos mais traumáticos de sua vida. As imagens das câmeras de segurança mostram o homem desferindo três facadas nas costas da moça. Em seguida, ele a agarra pelo pescoço e joga no chão, antes de começar a desferir golpes atrás de golpes. O suspeito bate a cabeça da vítima no chão, 12 vezes no total. Na sequência, Ana* levou, de forma intercalada, 11 socos e cinco chutes (quatro deles na cabeça).
Após o segundo chute, a mulher para de se mexer, aparentando estar desacordada, o que não faz as agressões cessarem. O homem então a agarra pelas roupas, arremessa no asfalto e volta à carga com os golpes, arremessando na moça até mesmo a mochila dela e um outro objeto que estava dentro da bolsa. O ataque só termina quando testemunhas chegam ao local e o homem foge, em direção à avenida Amazonas.
Ana* (nome fictício) agora faz parte de uma preocupante estatística. Por dia, somente em Belo Horizonte uma média de 49 mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica. Nos cinco primeiros meses deste ano, foram 7.402 vítimas de algum delito dessa natureza. No ano passado, a Secretária de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) registrou na capital mineira 19.478 casos. Os dados são relativos a crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Familiares pedem justiça
“Nem consegui ver o vídeo todo. Muito pesado. Disse ao policial que não queria ver mais”. Palavras que refletem não apenas a brutalidade de um crime, mas também o choque de um homem que teve uma familiar agredida de forma cruel. A frase é do irmão de Ana* (nome fictício), que conversou com O TEMPO sob condição de anonimato.
À reportagem, o homem conta que ficou sabendo do crime por meio da patroa da irmã. O homem assistiu parte da brutalidade que levou a irmã em para o hospital João XXIII.
“Ela (patroa da vítima) me ligou falando que queria falar com minha mãe, disse que minha irmã tinha sido atacada. Perguntou se ela tinha rixa com alguém, e eu disse que não”, relata. Imediatamente, o homem suspeitou do ex-marido da mulher, que depois foi reconhecido pela mãe da vítima por meio das imagens das câmeras.
De acordo com o parente, Ana* e o suspeito mantiveram um relacionamento durante nove anos, que terminou no ano passado. O irmão diz a relação começou muito boa, mas se tornou abusiva com o passar do tempo.
“Quando eles começaram, foi tudo maravilhoso. Eles tiveram a filha, mas ele era muito ciumento. Batia nela (Ana*), quando estavam em uma festa ele fechava a cara para todo mundo, ficava aquele clima ruim. Eles se separavam e voltavam direto”, relembra. Conforme o irmão, a mulher já foi à polícia denunciar as agressões. Ele não soube dizer se houve pedido de medida protetiva.
Após o atentado, Ana* foi amparada por duas mulheres, uma delas sua patroa, além de outros moradores da rua que se mobilizaram para o socorro. A vítima foi levada para o hospital João XXIII, na área hospitalar de Belo Horizonte.
Segundo a família, a mulher está consciente, abrindo os olhos e consegue identificar as pessoas que estão ao redor. Porém está abalada com o ocorrido. “Ela não estava acordando e agora está. Mas quando acorda, chora muito”, relata a prima da mulher, que também não quis ser identificada.
O irmão descreve Ana* como uma pessoa ‘alegre, divertida e trabalhadora’, da qual todos gostam. A filha da mulher, de 10 anos, já sabe do que aconteceu com a mãe. “Ela está abalada, a gente está conversando com ela para tranquilizar. Ela mesma uma vez uma chegou aqui em casa correndo, pedindo socorro, porque uma vez ele (suspeito) estava gritando na casa deles. Ela tem até trauma”, revela.
Na tarde desta quarta-feira (17), na porta do hospital João XXIII, o irmão da vítima estava com os olhos marejados. Com ele estavam a prima e a mãe da mulher. Abaladas e tomadas pela revolta, elas não quiseram gravar entrevista, mas falaram rapidamente com a reportagem. A prima mostra surpresa com as agressões.
“Ele não estava vendo a filha deles, não aparecia para nada. Aí do nada apareceu e fez isso com ela”, dispara a mulher. A mãe de Ana*, que também preferiu o anonimato, exige justiça. “Quero que ele pague pelo que fez. Ela não merecia”, resume. Em meio à dor e à revolta, um alento: a mulher teve melhora no quadro e, conforme os familiares, não corre risco de morte.
Investigações em andamento
Após a mãe e o irmão de Ana* reconhecerem o suspeito pelas imagens, a Polícia Militar foi a endereço do homem, mas ele não estava em casa quando os agentes chegaram ao local. Questionada, a Polícia Civil de Minas Gerais disse que está investigando o caso e que tenta localizar o suspeito do crime.
*Por O Tempo