O Ciclo do Ouro, período que se estendeu ao longo do Século XVIII no Brasil colônia da Coroa Portuguesa, caracteriza a principal atividade econômica desenvolvida no território àquela época. Bandeirantes paulistas que viajavam por Minas Gerais fizeram as primeiras descobertas por volta de 1965, na região de Sabará e Caeté, segundo registros históricos.
Com o fim do Ciclo do Açúcar e diminuição da relevância da Região Nordeste como centro econômico da colônia, a capital do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, em meados do século XVIII. Isso porque o Rio de Janeiro era a região portuária mais próxima dos centros de mineração, o que facilitava o controle sobre a atividade. Goiás e Mato Grosso também se consolidavam como importantes centros de exploração mineral à época, conforme descreve a historiadora Ana Luiza Mello Santiago de Andrade, doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP).
Na Itabira do Mato Dentro, imortalizada pelo ferro nos versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, os registros da exploração das minas de ouro constam no Mapa das Larvas Minerais da cidade informando dados sobre a produção entre 1852 a 1854. O fato teve especial atenção na obra da historiadora itabirana Maura Silveira Gonçalves de Britto, doutoranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e radicada na antiga Vila Rica.
Em seu livro “Com Luz de Ferreiro”, lançado em 2021, a historiadora descreve o contexto social e econômico do século XIX em Itabira a partir da presença de negros escravizados no ofício de ferreiro. Nessa época já se cogitava a possível exaustão da mineração do ouro e as minas de ferro eram tratadas como: uma alternativa de exploração em grande escala. Ou seja, o debate sobre diversificação econômica no município atravessa séculos.
No entanto, a pesquisadora itabirana chama a atenção para o fato de que o contexto socioeconômico e cultural na Itabira do Mato Dentro já era diverso mesmo antes da instalação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, principal propulsora da mineração na história de Itabira. Naquela época, a agropecuária, assim como a mineração, já causava impactos significativos nas matas e cursos d’água da região. A indústria têxtil e a siderurgia eram atividades relevantes, paralelas à presença da mineração e também se fortalecendo a partir dela.
Ainda segundo o estudo realizado pela historiadora, com base em dados do Arquivo Público do Município, a população estimada em Itabira em 1855 era de 30.106 habitantes, entre pessoas livres e escravizadas. Na província da Minas oitocentista, a área onde se estabelecia o centro minerário de Itabira era conhecida como região mineradora “Central Oeste”.
“A mineração ainda se faz presente, mas divide espaço com outras atividades, como o comércio, a produção agropecuária e as atividades de transformação. Como a transformação do ferro, que é o foco deste trabalho. Nesse sentido, via-se que o trabalho escravo ainda era importante nessa área, mas tais atividades complementares ou extra mineração poderiam abrigar também mão de obra livre”, descreve a autora.
A partir da análise de documentos públicos, como um relatório do Juiz Municipal ao Presidente da Província, em 1855, a pesquisadora identifica na obra interessantes aspectos econômicos de Itabira à época. “O mapa demonstrativo do Município, além de dados censitários, oferece também informações acerca do número de casas de negócio, engenhos (de serra e de açúcar, movidos por água e por boi), tavernas, lojas, enfim, um conjunto de estabelecimentos que nos permitem observar o grau de beneficiamento de produtos e de ralações comerciais do município”, complementa a historiadora.
A Companhia Vale do Rio Doce
O fortalecimento da exploração do minério de ferro em Itabira é intrinsicamente ligado à fundação da Companhia Vale do Doce (CVRD), em 1942, por meio de decreto do presidente Getúlio Vargas. Porém, a trajetória da empresa começa antes mesmo do seu nascimento, com a fabricação das primeiras locomotivas que desbravariam a Estrada de Ferro Vitória Minas, em 1904. A história é contada no Espaço Memória da Vale.
todo o mundo, desde o início de sua trajetória a empresa moldou a vida do itabirano e continua presente como um tesouro de Itabira, proporcionando empregos, sonhos e realizações. Às vezes, também, decepções.
Memória em risco
A historiadora Maura Silveira Gonçalves de Britto não nega o sentimento que o poeta Carlos Drummond de Andrade exalta em Confidência do Itabirano. Reconhece a importância da mineração para a formação da identidade local, mas destaca o fato de haver um processo contínuo de apagamento da história do município, anterior à instalação da CVRD na cidade.
“Itabira faz parte do conjunto das vilas mineiras que tiveram grande evidência na extração aurífera durante o século XVIII e, no contexto de reordenamento de capitais para uma agromineração, no século XIX, tem grande importância no abastecimento das rotas de comércio intraprovinciais”.
A pesquisadora ainda alerta: “Atualmente, os sítios arqueológicos que contém os vestígios materiais dessa prática na Itabira Oitocentista estão em áreas de risco de rompimento de barragens da Vale. E assim, mantém-se na memória coletiva dos itabiranos o engano subserviente de que a cidade não existia e nem pode existir sem a mineradora. Preservar a história das fábricas e engenhos de ferro que atuaram na cidade no Oitocentos não é um exercício de história local. É garantir a preservação da história das técnicas de mineração e produção do ferro no Brasil”.
*Com Informações Revista CM