A inanição foi provavelmente o principal fator que contribuiu para a morte de um adolescente brasileiro-palestino em uma prisão israelense em março, de acordo com um médico israelense que observou a autópsia.
Walid Ahmad, de 17 anos, que estava preso há seis meses sem acusação formal, sofria de desnutrição extrema e também tinha sinais de inflamação do cólon e sarna, segundo o relatório escrito pelo médico Daniel Solomon, que acompanhou a autópsia, conduzida por especialistas israelenses, a pedido da família do jovem.
A agência de notícias Associated Press obteve uma cópia do relatório de Solomon com a família. O documento não concluiu uma causa da morte, mas apontou que Ahmad apresentava em um estado de extrema perda de peso e desgaste muscular.
O relatório também observou que Ahmad havia se queixado à prisão de alimentação inadequada desde pelo menos dezembro, citando relatórios da clínica médica da prisão.
Ahmad morreu no mês passado depois de desmaiar na Prisão de Megido e bater a cabeça, disseram autoridades palestinas, citando relatos de testemunhas oculares.
Sua morte se tornou pública em 24 de março, em um comunicado divulgado por uma ONG palestina.
Logo depois, o jornal Folha de S. Paulo informou que Abdallah era filho de um cidadão brasileiro, e que a representação do Itamaraty em Ramallah, na Cisjordânia, entrou contato com a família. Ainda de acordo com o jornal, o governo brasileiro questionou Israel sobre as circunstâncias da morte.
O serviço penitenciário de Israel disse que uma equipe foi designada para investigar a morte de Ahmad.
Prisão
Ahmad é o prisioneiro palestino mais jovem a morrer em uma prisão israelense desde o início da guerra de Gaza, de acordo com a ONG Physicians for Human Rights Israel, que documenta as mortes de prisioneiros palestinos.
Ele foi levado sob custódia de sua casa na Cisjordânia ocupada durante uma operação de madrugada em setembro por supostamente atirar pedras contra soldados israelenses, segundo sua família.
A autópsia foi realizada em 27 de março no Instituto Forense Abu Kabir,, que não divulgou um relatório de suas conclusões e não respondeu aos pedidos de comentários da imprensa.
A advogada da família Ahmad, Nadia Daqqa, confirmou que Solomon, um cirurgião gastrointestinal, recebeu permissão para observar a autópsia por um tribunal civil israelense.
Grupos de direitos humanos têm documentado abusos generalizados nas prisões israelenses que abrigam milhares de palestinos presos após o ataque lançado pelo grupo terrorista Hamas em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a atual guerra na Faixa de Gaza.
A Autoridade Palestina diz que Israel mantem em seu poder no momento os corpos de 72 prisioneiros palestinos que morreram nas prisões israelenses, incluindo 61 que morreram desde o início da guerra.
Israel geralmente retém os corpos de palestinos mortos, alegando motivos de segurança ou para exercer pressão política.
Segundo ex-prisioneiros ouvidos pela agência AP, as condições nas prisões israelenses pioraram desde o início da guerra. Eles descreveram espancamentos, superlotação severa, atendimento médico insuficiente, surtos de sarna e condições sanitárias precárias.
A prisão de Megido, uma instalação de segurança máxima onde muitos palestinos, inclusive adolescentes, são mantidos sem acusação, é considerada uma das mais severas, aponta Naji Abbas, chefe do Departamento de Prisioneiros e e Detentos da Physicians for Human Rights Israel.
Em março. um comunicado sobre a morte publicado pela Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) também apontou que prisão de Megido é “notória pelo uso de tortura com choques elétricos, espancamentos, privação de alimento e até uso de cachorros”. Em 2024, uma reportagem do jornal israelense Haaretz apontou que filmagens no local mostraram guardas israelenses abusando de detentos.
Já o serviço prisional de Israel disse que opera de acordo com a lei e que todos os prisioneiros têm direitos básicos.
O advogado de Ahmad, Firas al-Jabrini, disse que as autoridades israelenses negaram seus pedidos para visitar seu cliente na prisão. Segundo ele, três prisioneiros detidos na mesma penitenciária lhe disseram que Ahmad sofria de diarreia severa, vômitos dores de cabeça e tontura antes de morrer.
Eles suspeitaram que a doença foi causada água suja, além de queijo e iogurte que os guardas da prisão traziam pela manhã e que ficavam sem refrigeração enquanto os detentos estavam jejuando no mês sagrado muçulmano do Ramadã, disse o advogado.
Saúde fragilizada
De acordo com o relatório do do médico Solomon, a autópsia mostrou que Ahmed provavelmente sofria de inflamação do intestino grosso, uma condição conhecida como colite, que pode causar diarreia frequente e, em alguns casos, contribuir para a morte.
Mas os especialistas médicos disseram que a colite normalmente não causa a morte em pacientes jovens e provavelmente foi exacerbada pela desnutrição grave.
“Ele sofreu de inanição que levou à desnutrição grave e, em combinação com a colite não tratada que causou desidratação e distúrbios nos níveis de eletrólitos em seu sangue, o que pode causar anormalidades cardíacas e morte”, disse a médica Lina Qasem Hassan, chefe do do conselho da Physicians for Human Rights Israel, que analisou o relatório a pedido da AP.
Ela disse que as descobertas indicam negligência médica, exacerbada pela incapacidade de Ahmad de combater doenças ou infecções devido ao fato de estar desnutrido e com a saúde fragilizada.
Erupções de sarna também foram observadas em suas pernas e área genital, segundo o relatório. Havia também ar entre seus pulmões que se expandiu para o pescoço e as costas, segundo o relatório, o que pode causar infecção. O ar pode vir de pequenos rasgos nos pulmões, que podem ocorrer devido a vômitos ou tosse, segundo o relatório.
A família de Ahmad disse que ele era um estudante saudável do ensino médio que gostava de jogar futebol antes de ser levado sob custódia. Seu pai, Khalid Ahmad, disse que seu filho participou de quatro breves audiências no tribunal por videoconferência e que, em uma delas, em fevereiro, notou que seu filho parecia estar com a saúde debilitada.
A família ainda não recebeu um atestado de óbito de Israel, disse Ahmad na sexta-feira. Ele espera que o relatório de Solomon ajude a trazer o corpo de seu filho para casa.
“Exigiremos o corpo de nosso filho para o enterro”, disse ele. “O que está acontecendo nas prisões israelenses é uma verdadeira tragédia.”
Milhares de detidos
Em julho de 2024, um relatório da ONU apontou que havia mais de 9.400 palestinos encarcerados por Israel, sendo 4.781 em detenção administrativa, por supostas razões de segurança. A Sociedade de Prisioneiros Palestinos, por sua vez, aponta que pelo menos 250 menores palestinos estão sob custódia israelense.
O conflito entre palestinos e israelenses voltou a se intensificar após Israel romper um cessar-fogo e lançar novas operações militares na Faixa de Gaza em março. A guerra atual no enclave eclodiu em 7 de outubro de 2023, quando o grupo Hamas, que controlava Gaza, lançou uma ofensiva terrorista contra Israel, matando 1.200 pessoas e sequestrando mais de duas centenas.
Em um ano e meio de conflito, o número total de mortos na Faixa de Gaza desde o início da contraofensiva israelense em outubro de 2023 já passa de 50 mil, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo grupo Hamas.
*Por DW